Especialistas divergem sobre a necessidade de limites para a dívida pública federal em debate na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) nesta quarta-feira (8). A reunião revelou o desafio do Senado de estabelecer um parâmetro para o endividamento máximo do poder público sem impactos negativos na economia.
O senador Oriovisto Guimarães (PSDB-PR) é relator do Projeto de Resolução do Senado (PRS) 8/2025, que cria as novas regras. Segundo seu substitutivo (texto alternativo), a dívida federal:
- deve corresponder, no máximo, a 80% do que o país produzir no ano (PIB);
- não pode ser 6,5 vezes maior que o arrecadado pelo governo federal no ano (receita corrente líquida).
— É uma resolução bastante simples. Henrique Meirelles [ex-presidente do Banco Central] fez um artigo dizendo que a regra era tanto melhor quanto mais simples fosse — disse Oriovisto, que presidiu a reunião.
O governo federal estima que a dívida pública bruta chegará no máximo a 84,2% do PIB, em 2028. E a Instituição Fiscal Independente (IFI), do Senado, projeta para 100% do PIB em 2030.
O projeto é do presidente da CAE, senador Renan Calheiros (MDB-AL). A audiência pública foi requerida (REQ 96/2025 – CAE) pelo senador Rogério Carvalho.
Necessidade
A trajetória da dívida é de crescimento, alertou o diretor-executivo da IFI, Marcos Pestana. Ele considerou a política fiscal o “grande calcanhar de aquiles da economia brasileira” e disse que o projeto “aponta na direção certa”. No entanto, o orçamento da União ainda precisa ter superávit (sobra de dinheiro) equivalente a 2,1% do PIB para estabilizar a dívida, o que ocorreu em apenas dois meses nos últimos dez anos.
— Trocar gasto do presente por dívida do futuro é uma injustiça para nossos filhos e nossos netos. É muito fácil empurrar com a barriga, gastar hoje e deixar a conta para eles — disse Pestana.
Questionamentos
Na avaliação do Secretário do Tesouro Nacional (STN), Rogério Ceron, a recuperação na sustentabilidade da dívida já está ocorrendo. As regras fiscais têm se aprimorado nos últimos anos, segundo ele, com a substituição do teto de gastos pelo Novo Arcabouço Fiscal.
— Eu, ao contrário de muitos, acho que o Brasil vem avançando muito. Os três últimos ciclos de governo conseguiram manter o déficit primário [quando há mais gastos que arrecadação] em torno de 2% do PIB. Com as novas regras fiscais, já estamos com 1,15%. A previsão até 2026 é abaixo de 1%, já considerando o pagamento dos precatórios [gastos imprevisíveis oriundos de decisões judiciais, que se acumulou nos últimos anos]. É legítimo debater se deveria ser mais acelerado, mas está recuperando.
Ceron e o secretário especial de Análise Governamental da Presidência da República, Bruno Moretti, defenderam que a dívida pode ser equilibrada sem um limite pré-estabelecido. O governo federal tem condições de reduzir despesas e aumentar receitas com a ajuda dos parlamentares, segundo Moretti.
— O mais eficiente seria pactuar com o Congresso Nacional medidas efetivas de controle da despesa obrigatória [gastos que representam quase 90% das despesas primárias e que engessam o orçamento público] — disse.
Consequências
Ceron ainda apontou que criar limites para a dívida pode gerar um “desarranjo imediato” na economia. Isso porque a mera possibilidade de o teto ser desobedecido levará os investidores a temer os efeitos previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). É o caso da proibição de emitir títulos de dívida (forma de empréstimo feita pelo governo) necessários para financiar seus gastos e do prazo de um ano para retornar ao limite da dívida, considerado curto por Ceron.
— Os gatilhos da LRF talvez sejam incompatíveis com a harmonização da política monetária. Os gatilhos que serão acionados não devem criar uma situação pela qual você vai antecipar e criar um problema insolúvel, que poderá, de fato, desorganizar o sistema financeiro.
O secretário afirmou que o risco existe mesmo diante da projeção de Oriovisto de que, nos próximos dez anos, os limites previstos no PRS serão cumpridos. O senador se baseou na estimativa da STN sobre a trajetória do endividamento.
Já a senadora Tereza Cristina (PP-MS) defendeu o projeto para evitar que os investidores percam a confiança na capacidade de o país arcar com suas obrigações. A recessão econômica de 2014 decorreu de políticas fiscais que não observaram as necessidades reais da economia, segundo ela.
— No governo Dilma, quando o Banco Central reduziu as taxas de juros sem condições técnicas, acabou perdendo a credibilidade. A gente viu que, naquela época, sem credibilidade, a inflação subiu. O Banco Central teve que aumentar ainda mais os juros, provocando a maior recessão da nossa história.
Novo indicador
As regras propostas por Oriovisto criam um novo indicador para medir a dívida bruta, em que se retiram as dívidas de estados e municípios. Também ficam de fora as operações no mercado financeiro para assegurar a taxa Selic definida (operações compromissadas). De resto, funciona como a dívida bruta do governo geral [DBGG], medida pelo Banco Central, em que se considera a dívida de todos os Poderes de todos os entes federativos. São levadas em conta as obrigações nacionais e internacionais junto ao setor privado e setor público financeiro.
A novidade recebeu o apoio do economista Felipe Salto, ex-presidente da IFI. Já o professor da Universidade de Brasília Manoel Pires questionou a eficácia do indicador e sua adoção na sociedade
— O mercado olha para a DBGG, às vezes para a dívida líquida. O eventual benefício de ter outro conceito de dívida que pouca gente olha me parece que vai atenuar bastante um eventual impacto. Toda vez que você exclui algo do agregado que você quer controlar, você acaba gerando a possibilidade de um esvaziamento das regras fiscais.
O senador Izalci Lucas (PL-DF) também indagou a capacidade de o governo observar mais regras fiscais além das já existentes.
— A gente faz um monte de regras, mas, na hora de cumprir, esse é o problema. O que garante que desta vez será diferente?
Previsão constitucional
O economista José Roberto Afonso apontou que a Constituição prevê que o Senado deve estabelecer o limite da dívida consolidada da União. Os senadores já discutiram a questão em algumas ocasiões, mas o tema nunca foi aprovado.
Na ausência do limite legal, o Tribunal de Contas da União (TCU) considera como referência, em suas análise, o limite de 4,5 vezes a receita corrente líquida da União.
O Senado estabeleceu o limite dos estados, DF e municípios por meio da Resolução 40, de 2001.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
Fonte: Agência Senado