Resolver conflitos não a partir da determinação de um terceiro imparcial, mas a partir da construção de consenso entre os envolvidos: esta é a proposta do Programa Justiça Comunitária, homenageado nesta sexta-feira (30) na Câmara Legislativa, por iniciativa do deputado Fábio Felix (Psol).
Nascido no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), ao longo de 25 anos de trajetória o programa selou parcerias com outras instituições, como a Universidade de Brasília (UnB), o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e o Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).
A cerimônia realizada no Plenário da CLDF coincidiu com o último dia de magistratura da juíza do TJDFT Gláucia Falsarella Foley, que se aposenta na próxima segunda-feira (2). A magistrada dedicou grande parte dos 27 de carreira ao Programa de Justiça Comunitária, do qual é coordenadora. “Enquanto uns administram a justiça por meio de ritos, liturgias, códigos; outros são a justiça, porque ao participarem da sua construção, são parte da sua constituição”, declarou. Como inovações dessa outra forma de fazer justiça citou a ousadia, o protagonismo popular e a atitude de semear responsabilidade nas pessoas, em vez de incutir a culpa.
“As instituições, infelizmente, têm o costume de se fecharem ao diálogo permanente e estendem a mão da formalidade, não a do diálogo. Então, quando você tem um programa que abre outra porta, ele abre esperança também na participação social. Forma as pessoas para pensar criticamente a sua realidade, o seu contexto. Você não olha só para o crime, o conflito, o problema, mas para a realidade e as estruturas sociais que pautam essa situação. Isso faz toda a diferença para os resultados que você pode alcançar”, sintetizou Felix.
No começo do evento, foi exibido um vídeo para explicar o programa através do exemplo de pessoas que o vivenciaram. “Eu fui para a Justiça Comunitária sem esperança. Quando você entra por aquela porta, está desesperado. Pensa que já foi a tantos lugares e não foi ouvida em nenhum. E aí quando você vê que tudo é o contrário é como se a sua alma tivesse sido lavada naquela hora. A partir daí me senti à vontade para falar tudo o que queria”, desabafou na tela a dona de casa Deusinalva Silva.
A cerimônia homenageou pessoas que ajudam a tocar o programa, como o agente comunitário Valdeci Pereira da Silva, que atua como voluntário desde que a iniciativa começou. Para ele, a atividade é para aqueles dispostos a dedicar a vida a uma causa porque acreditam em um mundo melhor. O agente comunitário atende às demandas individuais e/ou coletivas que lhe forem apresentadas pelos cidadãos ou encaminhadas pelo Centro Comunitário próximo ao local onde mora.
“A faculdade do Direito e o exercício da advocacia são muito voltados à beligerância, a potencializar o conflito. E a vivência do Justiça Comunitária me transformou também para o exercício da advocacia. Quando se cita o acordo, o cliente pensa que o advogado está com medo do combate. O Justiça Comunitária subverte toda essa lógica”, analisou a ministra do Tribunal Superior Eleitoral, Vera Lúcia Santana Araújo.
Também neste sentido, o presidente da Associação dos Servidores da Justiça do DF, Fernando Freitas, defendeu que “o direito não é apenas a aplicação fria, gramatical e metodológica da lei, mas é trazer a Constituição para o cidadão”. O secretário Nacional de Assuntos Legislativos do MJSP, Marivaldo de Castro Pereira, ilustrou como tais aproximações podem ser traçadas ao citar que, em parceria com a Justiça Comunitária, o Gabinete Cidadão passou a ser uma das grandes referências para direitos básicos na região de Planaltina.

Adversidades
Longe de ser um caminho contínuo e livre, muitos dos que ocuparam a mesa do Plenário mencionaram que, ao atuarem na Justiça Comunitária, enfrentam a falta de investimento e de estrutura para tocar as ações. Ainda assim, a Justiça Comunitária persiste. A secretária executiva da Coordenadoria Executiva de Autocomposição do MPDFT, Leila Duarte Lima, informou que o programa retornou à instituição na qual trabalha, após uma pausa. “Como um ipê, florescemos na seca”, comparou. Leila representou a vice-procuradora geral de Justiça do MPDFT, Selma Sauerbronn, e a promotora do mesmo órgão, Ana Luiza Lobo Leão Osório, que coordena o Eixo de Mediação Comunitária do MP.
“Todos nós que trabalhamos no sistema de justiça buscamos uma sociedade mais plural, democrática e participativa. Parecem conceitos não palpáveis, que temos dificuldade de ver no dia a dia, quando frequentamos os fóruns e abrimos os jornais. E a justiça comunitária vem e materializa isso na nossa frente. Mostra que não é uma utopia. Eu recebi um convite honroso há alguns anos para integrar a justiça comunitária e acho que aprendi nos últimos anos o que não aprendi na minha vida inteira”, comentou a juíza de Direito Caroline Lima.
Ao final do encontro, além do agente comunitário Valdeci da Silva, a supervisora administrativa do programa, Vera Lúcia Soares, também recebeu moção de louvor das mãos do deputado Felix. A sessão solene foi transmitida pela TV Câmara Distrital e está disponível no YouTube da Casa.
Fonte: Agência CLDF