As consultas públicas realizados no âmbito do Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT) não representam participação popular efetiva. Esse foi um dos consensos a que chegaram os membros da administração pública e representantes da sociedade civil reunidos em comissão geral realizada hoje (10), na Câmara Legislativa. Capitaneado pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh) do DF, o plano — atualmente na etapa de receber sugestões da população — define as configurações da cidade para os próximos anos.
“Talvez seja a principal lei que nós temos, o principal instrumento para definir quem vai ficar com o quê na cidade. É o PDOT que dá diretrizes: se vamos ter equipamento público em determinada área da cidade; projeto de habitação e moradia popular ou condomínio de luxo; se iremos avançar na ocupação urbana ou na preservação ambiental; se protegeremos os recursos hídricos ou avançaremos em um problema histórico do DF que é a grilagem de terra”, explicou o distrital Gabriel Magno (PT), que propôs e presidiu o encontro.
Embora tenha sido convidada para o evento, a Seduh não enviou representante. Como encaminhamentos da comissão, decidiu-se direcionar aos órgãos pertinentes as diversas cartas e contribuições enviadas por membros da sociedade; bem como reunir assinaturas de oito distritais para instituir uma frente parlamentar de acompanhamento do PDOT. Após a consolidação do Plano Diretor, o texto será encaminhado pelo GDF para a votação do Poder Legislativo.
Participando pelo Movimento da Serrinha do Paranoá, Betúlia Souto detalhou que em 2021 foi criado um Comitê de Gestão Participativa do Plano de Ordenamento. Desde então, há cobranças para potencializar o diálogo com a sociedade, de forma ampla. “Há um mês de ser entregue uma minuta eles começam a fazer uma comunicação que é essencial, mas que está longe do que deveria: precisa haver um letramento, em linguagem simples e acessível”, cobrou. Na sequência, levantou um questionamento: “Como a gente vai defender um território sem a participação das pessoas que vivem nele?”
Cidade para quem
O debate sobre os favorecidos e os esquecidos no ordenamento urbano do DF permeou uma série de discursos, entremeados por denúncias de conflito entre interesse público e privado.
“A impressão que tenho é que as autoridades deixam ocupar irregularmente e depois vêm com o processo de regularização. Ou seja, ocupa desordenadamente, destrói e depois legaliza”, analisou o parlamentar Chico Vigilante (PT). Decano da CLDF, ele alegou que a postura destoa do planejamento traçado pelos idealizadores de Brasília, como Juscelino Kubitschek e Lucio Costa.
No momento de fala aberta do encontro, o arquiteto André Tavares — do Instituto dos Arquitetos do Brasil — abordou o problema da gentrificação. “Cada vez mais os moradores não conseguem morar no DF, seja pelo valor do aluguel, seja pela falta de habitação de interesse social para a população, que se vê cada vez mais como não pertencendo ao território em que nasceu”, lamentou.
Nesse sentido, a deputada federal Érika Kokay (PT-DF) defendeu que a cidade não seja pensada a partir dos interesses empresariais, mas fundamentada nos desejos e necessidades das pessoas. “A população está separada da cidade: sai, trabalha, volta para casa, e fica apartada de qualquer espaço coletivo”, resumiu.
Entre outras ponderações, Benny Schvarsberg, que representa o Movimento Andar a Pé e Rodas da Paz da Câmara Técnica do Conselho de Planejamento Territorial e Urbano do DF, fez duras críticas ao conselho: “Enquanto a gente se distrai na discussão do PDOT, tem uma boiada passando. Essa boiada, hoje, é a distribuição de quatro grandes parcelamentos e loteamentos para empreendimentos imobiliários: todos eles de classes média e alta. E, por incrível que pareça, os interessados de vários desses empreendimentos são secretários e presidentes de empresas do DF. Nos deixa atônitos a interpenetração dos interesses públicos e privados do Distrito Federal neste momento”. Também professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília, Benny referia-se a projetos de no pátio ferroviário, Jardim Botânico e Altiplano Leste.
“Ninguém é contra o desenvolvimento do DF. Tenta-se criar um antagonismo entre os que vão defender o desenvolvimento e os que defendem a preservação do ponto de vista ambiental, social, cultural e da identidade. O que tem de mais atual do mundo é a correlação entre os dois termos, porque um não impede o outro. Na cabeça de quem está fazendo o PDOT hoje o desenvolvimento é o de um pequeno setor, o da construção civil”, comentou Magno, que ainda pleiteou por mais políticas voltadas à diminuição da desigualdade social.

A questão ambiental
“Qualquer intervenção no território requer um estudo sobre o impacto”, declarou Lucinha Mendes ao representar o movimento Fórum das Águas do DF. Alba Evangelista, do Comitê de Bacia Hidrográfica do Paranaíba, concordou ao definir o planejamento das questões hídricas no plano como “desleixada”.
Única representante do Buriti, Tereza Cristina de Oliveira — chefe da Unidade de Estratégia de Gestão da Subsecretaria de Gestão Ambiental e Territorial da Secretaria de Estado do Meio Ambiente — assegurou que a Secretaria está participando ativamente do PDOT com vistas a inserir a sustentabilidade ambiental e econômica na letra da nova lei.
Já o promotor da Promotoria de Defesa da Ordem Urbanística do Ministério Público do DF e Territórios, Dênio Augusto de Oliveira Moura, lembrou que não basta incluir de forma genérica, são necessárias diretrizes específicas, metas, indicadores e fiscalização para evitar um “plano de prateleiras e gavetas”, que não seja incorporado, na prática, à vida da cidade e de seus moradores.
“A natureza nos pertence ou somos nós que pertencemos à natureza?”, provocou Alex Pereira, que compareceu como membro do movimento Altiplano Rural. “Nós humanos podemos desparecer que a natureza continua, se renova, se transforma. Portanto, estamos protegendo a nossa humanidade, pois a natureza não precisa de nós”, acrescentou.
Outras denúncias vieram à tona no discurso de Nilton Vieira, do Salve o Rio Melchior, que relatou ameaças e perseguições a membros do movimento que se dedicam a proteger o meio ambiente. Alinhada com as preocupações com esse curso fluvial, a deputada Paula Belmonte (Cidadania) lembrou que a CLDF conduz uma Comissão Parlamentar de Inquérito justamente para investigar a poluição do Rio Melchior, que contamina habitantes da região, adentra o solo e alcança o lençol freático. Muitos dos que estavam presentes assinalaram que, além dos encaminhamentos definidos, a CPI tem potencial para interferir no texto final que determinará os rumos do ordenamento urbano de Brasília.
Fonte: Agência CLDF