A cada ano, o Dia da Consciência Negra, celebrado nesta segunda-feira (20), configura uma oportunidade de se pôr na balança a situação da população brasileira em geral, e de refletir sobre como questões relativas à cor da pele ou a outros atributos fenotípicos impactam o acesso a direitos básicos. A desigualdade racial no Brasil repercute em inúmeras camadas da vida social no país e o acesso à saúde não é exceção à regra. O último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde (MS) aponta que pessoas pretas e pardas têm menos acesso a serviços de saúde do que a população branca em geral. As mulheres negras foram as mais vitimadas pela covid-19 no Brasil, e as taxas de mortalidade materna e infantil são historicamente maiores nesse grupo.
Como forma de combater as desigualdades no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), em 2009 foi instituída a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN) pelo MS. O texto reconhece o racismo como um determinante social importante, além de conceber orientações e propor práticas de mitigação do problema. “É preciso criar um Plano Operativo Distrital a fim de criar um documento norteador das ações da PNSIPN e conseguir, depois, mensurar se essas ações foram feitas ou não”, reforça a médica da família e comunidade Juliana Oliveira Soares, à frente da Gerência de Atenção à Saúde de Populações em Situação Vulnerável e Programas Especiais (GASPVP) da Secretaria de Saúde (SES-DF).
No intuito de acelerar o processo de implementação da política, a SES-DF e o Observatório de Saúde da População Negra (PopNegra), vinculado ao Núcleo de Estudos de Saúde Pública da Universidade de Brasília (Nesp/UnB), têm organizado ao longo deste ano oficinas de trabalho. Os ciclos reúnem estudantes universitários, profissionais da saúde, gestores, representantes da sociedade civil e membros do Comitê Técnico de Saúde da População Negra do DF (CTSPN). “A ideia é difundir conhecimentos sobre a PNSIPN a membros da sociedade civil e a profissionais de saúde de todos os níveis de atenção, juntando esforços da UnB, da SES-DF e de outras instituições federais”, explica a pesquisadora e ativista do Observatório PopNegra, Marjorie Chaves.
Uma das participantes da oficina realizada na última quinta-feira (16) foi a assistente social recém-formada e pesquisadora vinculada à UnB e à SES Pâmela Leal. Para ela, as oficinas ampliam a discussão e promovem mais conhecimento a respeito das políticas de saúde no DF. “Aos jovens profissionais comprometidos com a temática, foi muito importante que o ciclo tenha sido aberto”, avalia.
Desigualdade e marginalização
Os indicadores do MS apontam que várias doenças caracterizadas por acometer populações negligenciadas são mais recorrentes entre negros. A leishmaniose tegumentar (LT) é um exemplo disso. Considerada uma doença tropical negligenciada (DTN), ela atinge a pele e a mucosa do trato respiratório, podendo causar deficiência, desfiguração e estigmatização na pessoa. No período de 2010 a 2021, foram confirmados 218.429 casos novos de LT no Brasil, dos quais 160.040 (73,3%) ocorreram entre indivíduos negros — sendo 9,1% em pretos e 64,2% em pardos.
Chaves ressalta que, ao se propor políticas à população negra, outros grupos sociais também são incluídos, como as comunidades quilombolas, a população carcerária ou as pessoas em situação de rua. “Quando a gente fala especificamente sobre a população em situação de rua, ela é, em sua maioria, negra e precisa ser assistida em sua particularidade. Como pessoas que não têm residência, que muitas vezes não têm um documento, serão assistidas pelo SUS? Existem ações específicas a esse segmento da população, mas que devem ser ‘transversalizadas’ com a PNSIPN”, exemplifica a ativista.
“Virada de chave”
Apesar do atraso em se criar um Plano Operativo Distrital à execução da PNSIPN, Chaves se mostra otimista com o futuro. “Estamos vivendo um momento muito interessante, que não víamos há tempos: o fortalecimento da participação social. Tivemos, a partir de 2023, a volta das Conferências Livres e a 17ª Conferência Nacional de Saúde, na qual levamos todas as discussões feitas com movimentos sociais, organizações da sociedade civil, membros da saúde”, relata a pesquisadora. Soares, médica da família, compartilha da mesma opinião: “Este será um ano ‘de virada de chave’ para a SES”.
*Com informações da Secretaria de Saúde do Distrito Federal