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Racismo afasta negros e indígenas da vacinação

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Os motivos que levam uma pessoa a se vacinar ou não são afetados por múltiplos fatores, que cientistas resumiram em cinco letras “C”: a confiança nas vacinas, a conveniência de ir a um posto de vacinação, a complacência com os riscos de não estar protegido, a comunicação de informações claras sobre as vacinas e o contexto sociodemográfico das populações que devem se vacinar. A ativista dos direitos das mulheres negras e fundadora da organização não governamental Criola, Lúcia Xavier, é assertiva em apontar que o racismo pode atrapalhar cada um desses pilares.

Rio de Janeiro (RJ), 13/09/2023 – A coordenadora geral da ONG Criola, Lúcia Xavier posa para fotografia para a Agência Brasil. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Rio de Janeiro (RJ), 13/09/2023 – A coordenadora geral da ONG Criola, Lúcia Xavier posa para fotografia para a Agência Brasil. Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

“População negra é a que vai ser a primeira a ser afetada pela queda das coberturas vacinais”, diz Lúcia Xavier, fundadora da ONG Criola – Tomaz Silva/Agência Brasil

“A população negra passa por muitas dificuldades de acesso, aceitação, cuidado e resolutividade no campo da saúde, e a vacinação é central para isso”, afirma.

“E a população negra é a que vai ser a primeira a ser afetada pela queda das coberturas vacinais. Não só porque já vive em más condições de saúde, de vida, mas também porque vai estar mais vulnerável a agravos que podem ser controlados ou impedidos a partir da vacinação.”

A comunicação, a conveniência do acesso às unidades de saúde e a própria confiança nos profissionais e no sistema são duramente prejudicados quando um usuário sofre racismo ao buscar um serviço de saúde. Uma mulher negra grávida que teve seu pré-natal negligenciado e sofreu violência obstétrica, por exemplo, será a mesma que precisará confiar na saúde pública para cumprir o calendário vacinal de seus filhos.

“Um fator importante é o acolhimento, que na verdade se traduz no acesso à informação de qualidade, na aceitação da pessoa como ela é e nas condições que ela apresenta na hora que ela entra na unidade. São as informações nítidas, objetivas e a resolutividade naquilo que vai dar seguimento à sua prevenção, ao seu cuidado ou mesmo a sua cura.”

A ativista explica que, muitas vezes, o racismo que afasta a população negra das unidades básicas de saúde, onde as vacinas são aplicadas, não se manifesta de formas tão diretas como agressões físicas e xingamentos, mas, mesmo assim, produz violências que afastam a população de serviços que poderiam salvá-la.

“O racismo pode não estar presente em ‘não entra aqui porque você é negro’, mas ele vai estar presente no modo que se recebe a população, na maneira de questionar o seu agravo, na maneira de oferecer ajuda e na maneira de oferecer informação. Então, receberemos menos informação, teremos menos cuidado em relação a nós, e as possibilidades de solução do nosso problema serão postergadas e deixadas para lá”, diz.

“Esses maus-tratos vão minando a relação de confiança entre o serviço e o usuário. A pessoa posterga, vai desacreditando que aquele serviço vai dar bom efeito, e nada é bem esclarecido o suficiente para ela compreender”, completa Lúcia Xavier.

Ao mesmo tempo, essa mesma população está sujeita, de forma geral, a uma maior taxa de desemprego, a uma maior presença no mercado informal e a jornadas diárias extensas que incluem longos deslocamentos entre a casa e o trabalho. Com postos abertos em horários limitados e profissionais de saúde muitas vezes receosos em abrir frascos de vacinas para imunizar uma única criança perto do fechamento do horário das salas de vacinação, oportunidades são perdidas.

Sensibilização

Durante 13 anos, a enfermeira Evelyn Plácido foi vacinadora no Parque Indígena do Xingu, na parte mato-grossense da Amazônia. Em contato com os povos indígenas, os relatos de discriminação ao tentar acessar os serviços de saúde eram muitos, lembra ela.

“Escutei muitos relatos de indígenas que falavam que procuraram a sala de vacina, mas não foram vacinados porque os profissionais falavam que eles só poderiam tomar vacina na aldeia”, conta ela. “Isso é perder a oportunidade, é negar algo a que eles têm direito. O direito deles é serem vacinados dentro de qualquer unidade de saúde, e, inclusive, nos esquemas específicos previstos para eles.”

A população indígena tem um esquema vacinal próprio, com reforço contra doenças que apresentam mais risco de agravamento por contextos sociodemográficos. Para Evelyn, esse é apenas um exemplo da falta de preparo dos profissionais da ponta para acolher diferenças sociais e culturais, o que afasta ainda mais grupos vulnerabilizados da saúde.

“Nós temos que trabalhar a competência cultural desses profissionais. Isso é urgente dentro das universidades, porque, trabalhando a competência cultural, eu vou preparar esse profissional para atuar para além das suas questões culturais. Cada indivíduo tem as suas, só que, quando eu me disponho a ser um profissional de saúde, eu vou atender a um público e tenho que estar preparado para atender a todas as pessoas com seus contextos culturais de sociedade”, explica. “Se eu não estiver preparada para isso, eu não consigo acessar e não consigo criar vínculo. E vínculo é confiança. Quando a gente fala de vacina, eu preciso criar esse vínculo. Eu preciso criar essa confiança em todos os públicos.”

Paola Poty de Castro da Silva recebe a dose pediátrica da vacina contra covid-19 na Unidade Básica de Saúde - UBS Aldeia Jaraguá Kwaray Djekupe, no Jaraguá.
Paola Poty de Castro da Silva recebe a dose pediátrica da vacina contra covid-19 na Unidade Básica de Saúde - UBS Aldeia Jaraguá Kwaray Djekupe, no Jaraguá.

População indígena tem um esquema vacinal próprio – Rovena Rosa/Arquivo/Agência Brasil

Hoje como educadora, a enfermeira trabalha capacitando profissionais de saúde para atuar em regiões de difícil acesso, como terras indígenas. A falta dessa preparação, conta ela, gerou problemas inclusive na pandemia de covid-19, quando a falta de sensibilidade e bagagem cultural impedia que profissionais contabilizassem corretamente a vacinação de populações como a ribeirinha e a quilombola.

“A gente teve um desafio muito grande para entender, por exemplo, a cobertura vacinal para covid-19 da população ribeirinha e de quilombos, porque o profissional simplesmente não identificava esse grupo e registrava eles na população geral”, narra ela, que explica que esse problema acontecia mesmo no caso de quilombos oficialmente reconhecidos. “E aí, existiu um esforço muito grande das próprias comunidades, das lideranças dessas populações, para que eles pudessem fazer o seu próprio censo vacinal.”

Assim como nesse contexto, ela exalta que a mobilização dessas populações foi o que permitiu construir um Programa Nacional de Imunizações (PNI) e um Sistema Único de Saúde (SUS) de tamanha capilaridade e totalmente gratuito.

“Essa mobilização é importantíssima e foi a base para a construção do próprio SUS. Esse movimento é importante, e ele precisa ser fortalecido e reconhecido, para que a gente possa buscar esse acesso e construir um caminho para que essa população seja atendida, não só na vacinação.”

Fonte: Agência Brasil

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