No Brasil, a taxa de nascimentos prematuros é de cerca de 12% e está acima da média global. Mas, dentro do território brasileiro, há situações ainda mais alarmantes: na Região Norte, aproximadamente 35 mil bebês nasceram antes da hora em 2023, uma taxa de 12,61% dos nascimentos, a maior entre as regiões do país. Lá estão os três estados com os piores índices: Roraima, com mais de 18% de partos prematuros, Acre e Amapá, com taxas próximas de 14%. Além disso, o Pará ocupou a oitava posição no país e também ficou acima do índice nacional, com 12,45% de partos prematuros.
A professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Pará (UFPA) Aurimery Chermont diz que esse é um problema antigo e multifatorial, relacionado com questões geográficas e sociais da região e também com a insuficiência da rede de atenção básica de saúde. De acordo com a especialista, muitas pessoas em idade fértil não recebem educação sexual para prevenir gestações indesejadas, nem informações sobre a importância do pré-natal. Além disso, as condições sanitárias e de alimentação, especialmente em comunidades mais carentes, ou distantes das cidades, são preocupantes.
“O nosso maior problema é a educação para a prevenção. Principalmente entre as gestantes mais jovens. Elas não fazem pré-natal por um motivo simples: ignorância. O segundo motivo é que muitas vezes, elas chegam na unidade de saúde e lá não tem os exames. O terceiro motivo é que, em algumas regiões, não tem como chegar. Se eu moro numa palafita e eu tenho que pegar um barco para ir até o posto de saúde, se estiver chovendo muito, eu já não consigo chegar. E às vezes, a gestante chega, identifica algum problema, mas não tem a medicação no posto pra ela tomar, então não dá continuidade. Aí ela não faz pré-natal, ela não faz vacina, ela não faz prevenção.”, complementa a professora da UFPA.
As estatísticas nacionais corroboram as informações da professora. A Região Norte registrou, em 2023, mais de 55 mil partos de pessoas com até de 19 anos, o que representa 19% de todos os nascimentos ocorridos no estado. Ou seja, uma em cada cinco gestantes era menor de idade quando engravidou ou tinha acabado de completar 18 anos. A taxa supera a proporção nacional, que ficou em 12%. A região também tem a menor proporção do país de residências com esgotamento sanitário e abastecimento de água e, no ano passado, cerca de 30% da população estava em situação insegurança alimentar.
A assessora técnica da Coordenação-Geral de Atenção à Saúde das Crianças, Aline Hennemann, reafirma que os altos índices de prematuridade têm origens socioeconômicas, e defende que o pré-natal é a maior ferramenta à disposição da saúde pública: “A gente precisa cada vez mais trabalhar com pré-natal de qualidade. Não adianta o Ministério da Saúde colocar nas suas diretrizes que o pré-natal deve ter sete consultas se elas não foram de qualidade. Essa mulher tem que ser realmente vista de uma forma integral, avaliando também o seu ecomapa [sua relações sociais e com o ambiente em que ela vive] e o seu genograma [relações familiares], e pensando nas outras causas que podem provocar o nascimento prematuro, como algumas doenças”
De acordo com Aline Hennemann, os investimentos feitos pela Rede Alyne – nova estratégia de cuidado de gestantes e bebês, lançada pelo Ministério da Saúde em setembro – devem trazer bons resultados: “O recurso hoje é enviado aos estados para que a gente tenha uma qualificação do pré-natal. Ele teve um reajuste muito considerável e exames que antes não eram ainda preconizados, hoje já entraram nessa realização do pré-natal que é orientada para todos os estados e municípios.”
O programa também oferece benefícios financeiros para a implantação de ambulatórios para os bebês egressos de UTI neonatal, que em sua maioria são bebês prematuros. Este ano, o Ministério investiu cerca de 400 milhões de reais na Rede Alyne e a previsão é que essa quantia alcance um bilhão de reais em 2025.
Aline diz também que a pasta tem se debruçado sobre as desigualdades regionais do país, e no que se refere à Região Norte, tenta vencer o desafio de melhorar o atendimento à gestante em territórios indígenas e outras comunidades tradicionais: “Agora, por exemplo, muitos rios estão secos e com isso, muitas vezes, a gente não consegue fazer o transporte fluvial e mesmo que a gente consiga fazer um transporte terrestre, aumenta muito o tempo, o que acaba impactando também o atendimento. Por isso que a gente tem que qualificar os enfermeiros, os médicos, os agentes indígenas de saúde, os agentes comunitários para que a gente consiga fazer um diagnóstico no território”, complementa
Um exemplo é a Terra Indígena Yanomami, nos estados do Amazonas e de Roraima, que passou por uma grave crise de saúde. Um dos maiores problemas é a desnutrição infantil que, na verdade, começava já na gestação, provocando também muitos partos prematuros.
Outra estratégia utilizada pelo ministério, de acordo com a assessora, é a qualificação dos profissionais selecionados pelo programa Mais Médicos, já que muitas cidades não contam com serviços especializados em obstetrícia e esses médicos acabam sendo os únicos disponíveis.
Fonte: Agência Brasil