O material didático brasileiro apresenta uma visão distorcida contra o agronegócio que acaba sendo prejudicial à formação dos estudantes, opinaram debatedores em audiência pública na Comissão de Educação (CE) nesta terça-feira (17). Especialistas questionaram os critérios do Ministério da Educação (MEC) para a seleção do conteúdo distribuído às escolas, mas a representante da pasta salientou a transparência do processo e defendeu o diálogo para discutir eventuais erros nos livros.
A audiência atende a requerimento (REQ 106/2024 – CE) do senador Zequinha Marinho (Podemos-PA). Na justificação do requerimento, ele argumenta que o agronegócio brasileiro tem sido alvo de “difamações” e, apresentando dados de reportagem do jornal Gazeta do Povo sobre o conteúdo dos livros didáticos, acusa as escolas de “propagação de narrativas contrárias ao setor agropecuário”.
“Constatou-se que, de 345 menções ao agronegócio presentes nos livros analisados, 303 (87,8%) não tinham embasamento científico e se limitavam a opiniões. Em contraste, apenas 12 menções (3,5%) eram fundamentadas em estudos científicos. Essa disparidade evidencia um processo de desinformação”, acrescenta o senador.
Presidindo a audiência, Zequinha alertou que o uso do sistema de ensino para “degradação da imagem moral” de alvos ideológicos do governo, incluindo o agronegócio, tomou proporções assustadoras, e o Ministério Público e o Tribunal de Contas da União (TCU) deveriam tomar providências contra o desvio de finalidade do investimento em educação.
— De repente, a gente fica desligado desse setor. Enquanto isso, as raízes do mal vão se alastrando.
Baixo desempenho
Samantha Pineda, diretora institucional da associação De Olho no Material Escolar, lamentou o desempenho “abaixo do baixo” do Brasil em avaliação internacional de educação, o que mostraria que o elevado investimento no setor não tem trazido resultados positivos e prejudica a formação de cidadãos plenos.
— Já pensaram quão sério é isso? O quanto estamos condenando nossos jovens a um ciclo vicioso de pobreza? O quanto nós estamos fazendo com que essa diferença social que tanto buscamos combater está sendo perpetuada desde cedo?
A debatedora criticou as aquisições do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), nas quais apontou conteúdo desatualizado, impreciso, inverídico e não fundamentado — situação que geraria uma visão amplamente negativa do agronegócio. Samantha Pineda sugeriu que o PNLD aumente a transparência no processo de seleção de material e reforce a avaliação do conteúdo com o apoio de técnicos especializados.
‘Diversas faces’
Também representando a associação De Olho no Material Escolar, João Demarchi lembrou que fez parte dos esforços científicos para reforçar o papel do agronegócio na preservação dos recursos hídricos, o que — avalia — não tem tido reflexos na narrativa do material didático e dificulta a busca de soluções úteis.
— Preciso ter um material que me traga as realidades e as diversas faces do problema. (…) O aluno precisa ter nas suas mãos várias faces do mesmo problema, inclusive para ele ser muito mais crítico do que é hoje.
O professor da Universidade de São Paulo (USP) Celso Claudio de Hildebrand e Grisi explicou os critérios e a metodologia da pesquisa sobre o conteúdo dos livros didáticos, ressaltando que a entidade não tem uma conclusão contra ou a favor do agronegócio.
— Acreditem: tudo foi feito da maneira mais perfeita possível para apenas identificar as mensagens e seus conteúdos.
Para o diretor técnico adjunto da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), Maciel Aleomir da Silva, a falta de educação básica de qualidade compromete a formação de uma população “efetiva e produtiva”. Ele concordou que as estatísticas sobre o desempenho dos alunos indicam a existência de “pontos a serem aprimorados” e questionou os parâmetros dos investimentos em educação.
— Por que o retorno não é ainda na mesma proporção? É por dificuldade de formação do professor, ou está associado ao material didático, que é uma parte desse processo? — indagou.
Amplo diálogo
Raphaella Rosinha Cantarino, coordenadora-geral de materiais didáticos do MEC, disse que os editais de compra de material no PNLD exigem conteúdo dentro dos parâmetros da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e são elaborados mediante amplo diálogo.
— A gente tenta ouvir todas as pessoas que fazem parte da cadeia produtiva do livro, de autores, de pais, de pesquisadores, para que a gente possa colocar esses materiais todos dentro do que a gente consegue.
Ela lembrou que qualquer professor da rede pública ou privada pode fazer parte da avaliação pedagógica dos materiais, mediante inscrição na plataforma do MEC, acrescentando que os professores inscritos só poderão participar da avaliação quando escolhidos por comissão técnica. Pondo-se à disposição para analisar os dados da pesquisa sobre possíveis distorções no conteúdo do material didático, a representante do MEC ressalvou que “nenhuma política pública está totalmente fechada” e é sempre necessário buscar ajustes para o aprimoramento do BNCC.
— Se a gente tem algum erro conceitual [no material didático], se a gente não sabe de onde veio aquela informação, para melhorar a política do livro didático dentro de todos os aspectos (…) [é preciso] ampliar essa discussão com as editoras e os autores.
‘Desinformação’
Citando números positivos sobre a produção rural brasileira e sua importância para a segurança alimentar mundial, o senador Jorge Seif (PL-SC) cobrou combate à “desinformação” e acusou o governo de usar o dinheiro do contribuinte para distorcer a visão dos alunos sobre o agronegócio.
— Dinheiro público que deveria orientar nossa criançada, deveria encaminhar nossa criançada, influenciar positivamente o olhar delas para o maior potencial e a maior vocação brasileira.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
Fonte: Agência Senado