Uma bioeconomia sólida e pujante é a última oportunidade que o Brasil vai ter para se firmar econômica e politicamente no século XXI e superar sua história de subdesenvolvimento e dependência. A avaliação foi feita pelos participantes de audiência pública interativa remota promovida pela Comissão Senado do Futuro, nesta sexta-feira (6), para debater o desenvolvimento da bioeconomia no Brasil.
A bioeconomia compreende atividades diversas relacionadas a produção de alimentos, a exploração de produtos derivados de plantas nativas e, de modo geral, os serviços ecosssistêmicos relacionados à biodiversidade, como produção de fibras e madeiras, polinização de plantas, uso de recursos genéticos e de microorganismos, entre muitos outros.
Os participantes do debate foram unânimes em apontar que os países mais adiantados do mundo já atuam na elaboração e desenvolvimento de projetos estratégicos para a transição de uma economia de recursos fósseis para uma economia de recursos biológicos, com o aproveitamento da biodiversidade e a consequente viabilização de cadeias de valor. Eles também destacaram que a bioeconomia difere de uma região para outra de um mesmo país, e ainda de um país para outro, em função dos ecossistemas, biomas e condições próprias de desenvolvimento locais.
Domínio da biotecnologia
Mestre em Ciência Política e ex-secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Pará, Alex Fiúza de Mello destacou que a bioeconomia é e será uma das maiores oportunidades de negócios do planeta no século XXI. Ao mesmo tempo, o setor representa condição e garantia de soberania, maior competitividade e poder em um mundo globalizado, que dependerá do domínio da biotecnologia e suas aplicações inteligentes em diversos setores, como a saúde.
— Seja do ponto de vista econômico, cientifico e geopolítico, a bioeconomia é decisiva para qualquer nação e, particularmente, para o Brasil, pelas próprias características de seu território e ampla biodiversidade. Todos sabemos que o grande desafio do século vinte e um é a inovação, que supõe ciência e tecnologia associadas a um empreendedorismo criador – afirmou.
Entre os desafios nacionais no setor de inovação, Mello apontou o aproveitamento do patrimônio genético disponível e dos produtos da floresta, “que nenhum país do mundo guarda quanto o Brasil”.
— Esse é um diferencial. A nossa mentalidade enquanto elite econômica e de sermos subdesenvolvidos e ainda colonizados em pleno século XXI é o tratamento que damos a maior floresta tropical do planeta, nos submetendo a diretrizes que nada têm a ver com o desenvolvimento do pais – afirmou.
Mello ressaltou que todos os biomas do Brasil são fontes de riqueza, mas que uma economia do conhecimento da floresta é capaz de gerar muito mais que simples alimentos para o mundo.
— São fármacos, fitomedicamentos, cosméticos, nutrientes, biocombustíveis, fibras inovadoras, serviços ecossistêmicos, todos produtos que têm grande demanda efetiva global e em crescimento. E nós estamos discutindo ainda o preservacionismo meramente tradicional e improdutivo, sem isso estar associado a investimentos produtivos de alta tecnologia. Precisamos suplantar urgentemente o falso ambientalismo meramente ideológico e esotérico, em favor de políticas públicas que preservem o meio ambiente para aproveitamento inteligente da biodiversidade. Esse é o nosso grande desafio. A Amazônia e a bioeconomia devem ser o norte do Brasil no século XXI – afirmou.
Mello ressaltou ainda que os recursos fósseis, como o petróleo, são esgotáveis e não renováveis, o que tornaria a bioeconomia muito mais relevante que o pré-sal.
— Não entendo um país como o nosso. Temos o maior banco genético do planeta, e a bioeconomia não tem mais relevância que o petróleo e o minério. Estes são riquezas esgotáveis, não renováveis e sem sustentabilidade a longo prazo, mesmo estratégicos a curto prazo, desde que gerem uma economia sustentável, que é a bioeconomia. As fontes de energia baseadas no carbono estão em extinção, o uso da biodiversidade e a economia tecnológica é uma agenda para séculos vindouros, e não podemos entrar nessa briga de forma tardia. Precisamos de um projeto nacional e política de Estado, o que implica dizer objetivos de curto e médio prazos, legislação adequada à natureza dos desafios, padrões institucionais , fundos de investimento, modelos de gestão bem arquitetados, criar um ecossistema estrategicamente talhado e ancorado num pacto nacional – afirmou.
Em sua exposição, Mello defendeu também a criação de um órgão exclusivo de pesquisa da Amazônia, como forma de favorecer o desenvolvimento de produtos da região. A Amazônia precisa de um projeto assemelhado ao que foi feito no cerrado. Esse deveria ser o foco do Brasil para o século que se inicia, pelas mesmas razoes que levaram à exploração das terras do interior do país, afirmou.
— Por que ainda não se criou uma Embrapa da floresta? Ou uma rede articulada de desenvolvimento com mesmo papel que a Embrapa cumpriu para o desenvolvimento do cerrado brasileiro? Precisamos ter um projeto nacional para a bioeconomia e a Amazônia, que tem que deixar de ser tratada como uma questão regional, assim como o cerrado foi questão nacional. A Amazônia guarda o maior potencial de geração econômica para todo o Brasil – afirmou.
Modelo de governança
Coordenador do projeto Oportunidades e Desafios da Bioeconomia do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), Marcelo Khaled Poppe ressaltou que a bioeconomia cresce no mundo e que diversos países adotam políticas sobre o tema, valorizando os recursos biológicos e da biomassa para assegurar o desenvolvimento de suas economias e do planeta.
— O Brasil deve construir seu modelo de governança num setor de tanta relevância, com a criação de modelos de negócios que transformem de maneira racional a matéria prima, utilizando tecnologia em produtos valorizados no mercado. Tem que desenvolver uma estratégia e conceber um modelo de desenvolvimento para o país, a partir do interesse de empresas brasileiras em atender a população – afirmou.
Diretor executivo do Projeto Amazônia 4.0, baseado na agregação de valor a produtos a partir da adoção de recursos de alta tecnologia, Ismael Nobre disse que é preciso avançar na discussão proteção ambiental versus exploração comercial. Também destacou que é preciso investir em capacitação para viabilizar a bioeconomia, que se favorece com o uso de tecnologias sofisticadas, a exemplo de drones, geração de energia solar e eólica, uso de hidrogênio como combustível, aproveitamento de satélites, liofilização de produtos alimentícios, entre outras.
Legislação e recursos
Presidente da CSF e proponente do debate, o senador Izalci Lucas (PSDB-DF) disse que o Brasil precisa atualizar a legislação parar avançar em questões relacionadas à bioeconomia.
— Não se faz inovação, ciência e tecnologia com discursos, tem que ter recursos. Temos aí grandes desafios. Não podemos ficar inertes em relação ao que está acontecendo no mundo. Temos que avançar, temos que ter política de Estado para não ficar dependente de política de governo – afirmou.
Izalci lamentou ainda a falta ou contingenciamento dos recursos das instituições de pesquisa, além da falta de pesquisadores, o que prejudica a transferência de conhecimentos.
— O Brasil tem sucesso no agronegócio, mas a Embrapa, que foi responsável por isso, mal dispõe de recursos para pagamento dos funcionários. Não vamos achar o caminho nosso sem investir na ciência, na educação e na tecnologia – afirmou.
O senador Confúcio Moura (MDB-RO) defendeu a adoção de políticas consorciadas de desenvolvimento da Amazônia, que conta muitas instituições subutilizadas.
A senadora Zenaide Maia (Pros-RN), por sua vez, destacou que o Brasil é o maior produtor e exportador de proteína do mundo, e que a maior parte desses produtos saem do Brasil sem valor agregado e com custo para o Brasil, além do uso de agrotóxicos em larga escala.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
Fonte: Agência Senado