21/06/2021 – 21:46
Jornalistas, pesquisadores e ativistas digitais defenderam campanhas educativas e a transparência em plataformas digitais como os melhores meios de combater a desinformação em mídias sociais. No entanto, os especialistas apontam para as dificuldades na moderação de conteúdo e veem problemas na redação do projeto de lei de combate às fake news (PL 2630/20), do Senado Federal. O principal temor é que as medidas para punir a disseminação de notícias falsas levem à censura e ameacem a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa.
Em audiência pública promovida, nesta segunda-feira (21), pela Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados, o deputado Paulo Ganime (Novo-RJ), relator da matéria, recomendou cautela e cuidado para debater o tema. “Ninguém aqui quer elaborar um projeto de lei que possa criar censura e restringir a comunicação. Não imagino que seja este o interesse dos autores do projeto nem de quem defenda o projeto”, ponderou.
Pablo Valadares/Câmara dos Deputados
Ganime: não precisamos ter pressa na análise, para aprofundar o debate
Paulo Ganime sugeriu que o debate sobre o PL 2630/20 seja aprofundado na Câmara dos Deputados e leve em conta as inciativas de outros países contra desinformação. “Este PL passou muito rápido pelo Senado Federal e a gente não precisa ter a mesma velocidade na Câmara dos Deputados, para se aprofundar no debate”, propôs.
Educação
A presidente do Instituto Palavra Aberta, Patricia Blanco, defendeu o combate à desinformação por meio de um projeto de educação midiática nas escolas. Ela citou estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE) em que quase 70% dos brasileiros de 15 anos têm dificuldade em diferenciar fato de opinião. “A educação ajuda a desenvolver as habilidades de acessar, analisar, criar e participar do ambiente informacional e midiático em todos os seus formatos”, notou. “Quando o aluno passa a questionar as fontes de informação, ele evitar disseminar desinformação.”
O presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Marcelo Rech, manifestou-se contra o controle das mensagens. “O melhor antídoto é o reforço da atividade jornalística”, defendeu. Entre as iniciativas para combater a desinformação, ele citou campanha educativa da ANJ em capas de jornais e o consórcio que reúne estatísticas sobre mortes e casos de Covid-19. “O consórcio restabeleceu a verdade sobre os números de mortos e hospitalizados pelo coronavírus. Havia uma tentativa do governo de distorcer os números”, acusou.
Conceito
O presidente do Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor), Francisco Rolfsen Belda, apontou para os problemas no PL 2630/20 na definição de notícias falsas. “Não se sabe exatamente o que se está criminalizando. Não há uma boa definição do que seja fake news e ninguém sabe ao certo como distinguir estes fenômenos de desinformação”, observou. “Não cabe introduzir no nosso ordenamento jurídico um termo tão impreciso. Isso pode gerar muitos enganos ou censura.” Belda ainda acredita que a criminalização do conteúdo falso não vai impedir sua circulação nas mídias sociais e aplicativos de mensagem. “É mais interessante investir na qualificação da informação, do jornalismo profissional, checagem dos fatos e distribuição nas plataformas”, propôs.
GaudiLab/DepositPhotos
Especialistas apontam dificuldade no conceito de fake news
O presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Marcelo Träsel, sugeriu que o projeto evite definir o conceito de desinformação, que considera precário. “Assim a gente evita riscos à liberdade de informação e de imprensa”, espera. Marcelo Träsel notou que a necessidade de constante checagem de fatos aumentou os custos das empresas de comunicação, que já perderam verbas de publicidade para plataformas digitais, como Facebook, Google e Twitter. Ele ainda lamentou os ataques a jornalistas nas redes sociais por grupos que querem desacreditar os profissionais de imprensa. “Desde 2018 foram 69 ataques, sobretudo a mulheres. Somente em 2020 foram 26 agressões físicas”, denunciou.
Complexidade
O coordenador do Projeto Comprova, Sérgio Lüdtke, apontou para a complexidade da desinformação, que, segundo ele, é sempre construída a partir de elementos verdadeiros e com ingredientes emocionais, que gerem medo, raiva ou até esperança. Muitas vezes, são interpretações ou postagens com perguntas. “A mentira é mais atrativa do que a verdade e ganha mais velocidade de dispersão”, notou. Ele teme que a desinformação prejudique o processo eleitoral em 2022.
O diretor-executivo do Instituto Vero, Caio Machado, também considera ineficaz a definição do conceito de desinformação. “A desinformação promovida por agentes públicos veste a roupagem de opinião”, comentou. Ele ainda avalia que o texto privilegia o combate à desinformação no Facebook, Twitter e Whatsapp, mas ignora plataformas como Tiktok, Discord e outras que podem crescer nos próximos anos. “A aplicação do projeto não vai ser clara, permitindo arbitrariedades no seu escopo”, alerta. Apesar de apoiar os instrumentos de transparência no PL 2630/20, ele criticou artigo que pode criar um sistema de vigilância contornando mecanismos de criptografia do Whatsapp.
Pandemia
O presidente da central de denúncias de crimes cibernéticos Safernet Brasil, Thiago Tavares, notou o aumento da desinformação durante a pandemia, com conteúdo de incitação ao suicídio, questões de saúde mental, abuso infantil, racismo, crime de ódio, preconceito e discriminação. “Ninguém quer censura de conteúdo, mas nem todas as plataformas têm capacidade ou estrutura de moderação”, observou. Ele defendeu o controle posterior do conteúdo, com transparência das plataformas e educação.
O diretor do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Rodrigo Murtinho de Martinez, defendeu a criação de uma Política Nacional de Comunicação de combate à pandemia, unificando os diversos atores da sociedade. “Hoje existe conflito entre mídia, Poder Legislativo e poder central do Brasil. Isso tem criado uma grande confusão e dificuldade de se combater a desinformação”, lamentou. “O Congresso deveria abrir este debate.” Martinez também defendeu o fortalecimento de iniciativas educativas para promover a saúde e a divulgação científica. “É uma simplificação pensar que mecanismos de punição podem resolver o problema estrutural da desinformação, que está relacionado à educação.”
O representante da União Pró-vacina, João Henrique Rafael, relaciona a desinformação à queda nos índices de vacinação no Brasil desde 2015. Ele nota que a desinformação também levou pessoas a perderem a confiança na vacina contra Covid-19 e reduzir a intenção de se vacinar. “A mudança de política das plataformas, em relação a conteúdo de vacina, ajudou a reduzir a ação de grupos de desinformação contra vacinas.”
Reportagem – Francisco Brandão
Edição – Ana Chalub
Fonte: Agência Câmara de Notícias