19/02/2025 – 20:20
• Atualizado em 19/02/2025 – 20:27
Bruno Spada/Câmara dos Deputados
Célia Xakriabá, autora da proposta
A Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que estabelece medidas para o atendimento de mulheres indígenas vítimas de violência doméstica e familiar. O texto será enviado ao Senado.
De autoria da deputada Célia Xakriabá (Psol-MG), o Projeto de Lei 4381/23 foi aprovado na forma de um substitutivo da relatora, deputada Juliana Cardoso (PT-SP). O parecer da relatora foi lido em Plenário pela deputada Jack Rocha (PT-ES).
O texto aprovado lista procedimentos de atendimento, requisitos para as delegacias cumprirem as normas e direitos das mulheres indígenas.
São consideradas indígenas aquelas que assim se identificarem em qualquer fase da apresentação da queixa, do procedimento investigatório ou do processo judicial.
Célia Xakriabá afirmou que a proposta é necessária para evitar ações como a morte de mulher da etnia guarani kaiowá nesta quarta-feira (19) por golpes de foice na cabeça. “Quando a mulher indígena é morta, a floresta e as águas morrem junto”, disse.
A deputada informou que o projeto, o primeiro a ser protocolado em duas línguas indígenas, será traduzido para outros 274 idiomas de etnias indígenas no Brasil.
Uso de intérprete
De acordo com o texto, o atendimento à mulher e à criança indígena vítima de violência doméstica e familiar deve ser realizado de forma presencial e individualizada, com respeito a suas crenças e valores, desde que não afetem os princípios constitucionais. Sempre que necessário, deverá ser utilizado um intérprete, e o atendimento deve ser feito com garantia de sigilo e confidencialidade das informações.
O trabalho de intérprete deverá ser, preferencialmente, voluntário e poderá ser prestado à distância, com meios de tecnologia da informação.
O atendimento com esses parâmetros envolve a rede de apoio multidisciplinar composta pelos órgãos públicos responsáveis pela defesa dos direitos políticos e das garantias constitucionais, pela política nacional de saúde e pela política indigenista.
Os órgãos envolvidos deverão tomar providências para evitar a revitimização da mulher ou da criança.
Direitos previstos
Quanto aos direitos, o texto aprovado prevê que a mulher indígena vítima de violência doméstica e familiar:
- será recebida por servidor capacitado para o seu atendimento;
- terá o direito de narrar os fatos sem interrupções ou constrangimentos;
- poderá solicitar medidas protetivas de urgência, nos termos da Lei Maria da Penha;
- poderá ser acompanhada por um familiar ou representante da comunidade indígena, se desejar;
- terá direito a receber orientação jurídica e psicológica.
Por parte de outras estruturas do Estado, a mulher indígena terá direito a acompanhamento e proteção por meio de serviços de assistência social e programas de apoio psicológico e social. Poderão ser adotadas ainda ações de proteção territorial em articulação com os órgãos responsáveis pela proteção das terras indígenas.
A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o Ministério Público Federal e a respectiva comunidade indígena serão intimados para se manifestar se têm interesse em intervir na causa. O objetivo dessa intervenção é fazer com que sejam considerados e respeitados: a identidade social e cultural do povo indígena, os seus costumes e tradições e as suas instituições.
Delegacias de polícia
Nas delegacias de polícia, o texto determina que os servidores sejam capacitados para atender a mulher indígena vítima de violência doméstica e familiar, além de garantir a presença, sempre que possível, de mais de um intérprete em casos de violência para evitar conflitos de interesse.
Terão ainda, se possível, que manter o texto de leis e normas traduzidos nas línguas indígenas da região ou acessíveis por outros meios. Entre esses textos incluem-se a lei derivada do projeto, a Lei Maria da Penha e demais normas sobre o tema.
Kayo Magalhães/Câmara dos Deputados
Juliana Cardoso, relatora do projeto de lei
Adicionalmente, as delegacias de polícia poderão requerer à Funai, como instrumento auxiliar ao inquérito, dados técnicos de notório saber referentes ao contexto sociocultural da vítima.
As ações de capacitação serão realizadas com a participação de lideranças das comunidades indígenas locais.
Contexto cultural
O inquérito e o processo judicial deverão levar em conta o contexto cultural da comunidade indígena, inclusive os modos tradicionais de resolução de conflitos.
Já os órgãos públicos responsáveis pela implementação das normas da futura lei deverão se articular entre si e com as comunidades indígenas para garantir a efetividade dos direitos das mulheres indígenas vítimas de violência doméstica e familiar.
Semana da Mulher Indígena
O texto aprovado prevê também que, na semana do dia 19 de abril, ocorrerá a Semana da Mulher Indígena, voltada à conscientização sobre os direitos e os instrumentos de proteção à mulher indígena.
Ao longo dessa semana, o poder público poderá promover ações como:
- distribuição em comunidades indígenas de textos traduzidos das leis e normas sobre o tema de violência contra a mulher;
- caravanas itinerantes, em suas comunidades, de serviços públicos relacionados à proteção das mulheres indígenas;
- debates e seminários sobre a temática das violências contra a mulher indígena, envolvendo profissionais, agentes públicos, especialistas no tema e lideranças e demais mulheres de comunidades indígenas; e
- criação e distribuição de cartilhas para a prevenção da violência contra as mulheres indígenas.
Proteção efetiva
A relatora, deputada Juliana Cardoso, defendeu algumas alterações feitas no texto, como a presença de intérprete para melhor acolhimento da mulher indígena vítima de violência doméstica e relatório antropológico vinculado ao inquérito. “É mister envolver os povos indígenas diretamente interessados nas ações de capacitação dos profissionais responsáveis pelo atendimento”, disse.
A deputada Silvia Waiãpi (PL-AP) afirmou que as mudanças no texto garantiram a completa proteção da mulher indígena. “Apesar de divergentes em posições políticas, chegamos ao melhoramento do projeto para que ele realmente garanta em todas as instâncias essa proteção à mulher indígena.”
Saiba mais sobre a tramitação de projetos de lei
Reportagem – Eduardo Piovesan e Tiago Miranda
Edição – Pierre Triboli
Fonte: Agência Câmara de Notícias