O Mapeamento de Pessoas Trans na Cidade de São Paulo, que teve sua segunda fase divulgada hoje (28) pela prefeitura, revela que 58% dos entrevistados – mulheres trans, travestis, homens trans e pessoas não-binárias – realizam trabalho informal ou autônomo, de curta duração e sem contrato. Entre as travestis, esse percentual sobre para 72%.
O estudo foi realizado pelo Centro de Estudos de Cultura Contemporânea (Cedec) junto à Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo (SMDHC). A coleta de dados incluiu 1.788 pessoas, por meio de questionário estruturado, e 29 entrevistas qualitativas com entrevistas do tipo semiestruturadas, com perguntas abertas.
Em relação à principal ocupação exercida pela população entrevistada, o destaque é a parcela elevada de travestis (46%) e de mulheres trans (34%) que se declararam profissionais do sexo, acompanhantes e garotas de programa. Esta é a principal variável sócio ocupacional que distingue as identidades de gênero, conforme avaliação que consta no documento. Entre os homens trans, praticamente, não existe a ocorrência de pessoas que se declaram profissionais do sexo e, para as não binárias, o índice foi de 3%.
Dentre as entrevistadas que se prostituem, 74% já sofreram violência física. “Uma vez eu fui com um cliente num lugar mais longe, e eu apanhei, porque ele queria transar sem camisinha e não aceitei. Então, onde não tinha muitas meninas, eu sempre ficava beirando a avenida, que era onde passava movimento de carro e, qualquer coisa, eu ia embora. Eu tinha esses cuidados, de nunca pelas ruas a dentro, escuras, porque eu achava mais perigoso, era tudo fechado até pra correr”, disse uma mulher trans, entrevistada para a pesquisa.
Segundo a prefeitura, essa segunda fase do estudo esmiúça os apontamentos sobre identidade de gênero, situações de violência, acesso e permanência no trabalho e acesso à saúde. O objetivo é gerar dados que deem embasamento para a elaboração e aperfeiçoamento de políticas públicas que atendam as demandas e necessidades desta população.
Outro depoimento de mulher trans, colhida dentro do mapeamento, revela dificuldades no acesso ao mercado de trabalho. “Fui arrumar um emprego de telemarketing, passei em todos os testes, tudo. Mas, quando ela viu que eu não tinha retificado o nome, me disse ‘sinto muito, mas a gente não vai poder te contratar. Quando você conseguir retificar o seu nome, você volta aqui. Se for contratada, você vai ter que usar o nome que você nasceu, sendo que você tem voz feminina. Como vai ser uma voz feminina usando um nome masculino?’ Foi uma coisa que me marcou muito, foi degradante.”
Um dos principais apontamentos, segundo o município, é a falta de acesso e, muitas vezes, a falta de respeito ao nome social como fator gerador de conflitos, conforme relatado pelos entrevistados. Essa questão pode gerar situações de violência e preconceito em diversos âmbitos, como o ambiente escolar, mercado de trabalho e acesso à saúde.
“Atenta a estes dados, a SMDHC [Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania], por meio da Portaria nº 037, instituiu o programa Respeito Tem Nome, que oferece de forma gratuita às custas das certidões de protesto, bem como dos emolumentos cartoriais referente ao requerimento de retificação de nome e gênero, à população de pessoas travestis, mulheres transexuais e homens trans em situação de vulnerabilidade social”, divulgou o município, acrescentando que o estudo gerou os subsídios para a criação do programa.
Sobre as condições necessárias para a realização da ocupação ou negócio desejado pelos entrevistados, o mapeamento mostra que se destacam dinheiro para investir (41%), realização de curso (29%) menos preconceito (14%) e mais vagas (12%).
A parcela de 43% dos entrevistados afirmou ter formação técnica ou específica para exercer determinadas ocupações no mercado de trabalho, o que demonstra que mais da metade da população entrevistada (57%) não está preparada para ingresso no mercado de trabalho, conforme concluiu o estudo, ressaltando que diplomas e certificações não garantem esse acesso ao mercado já que há invisibilidade e preconceito em relação a este grupo.
Em relação ao acesso à saúde, 15% dos entrevistados raramente ou nunca vai ao médico. Além disso, 54% das pessoas que usam hormônio fazem por conta própria e 44% das travestis já utilizaram silicone industrial.
“O silicone industrial vem para mutilar e para acabar com muitas travestis. É uma forma também de acabar com essas ‘corpas’, porque também pode dar infecção generalizada, elas se automedicam, não têm tempo para fazer acompanhamento com endocrinologista; são vários processos que acabam com as nossas ‘corpas’, que mutilam e faz várias coisas, que é esse corpo que já nasce morto! Que a sociedade mata!”, diz o depoimento de uma travesti.
Além disso, o mapeamento registrou o período da adolescência como a principal fase da vida em que as pessoas entrevistadas adquiriram a percepção de que o seu sexo biológico não coincide com a sua identidade de gênero. Isso leva ao afastamento do ambiente familiar, ocorrido por volta dos 20 anos de idade, em média. Em geral, o afastamento é acompanhado de brigas, rompimentos familiares e até expulsão de casa.
Celebrações do Mês do Orgulho LGBTI+
Em iniciativa da prefeitura de São Paulo para celebrar o Mês do Orgulho LGBTI+, hoje (28), a cidade será colorida com as cores da bandeira do arco-íris, com projeções em três pontos históricos do município: sede da prefeitura, Ponte Estaiada e Teatro Municipal.
Além disso, está em cartaz a exposição fotográfica Luz & Sombra, que traz registros do fotógrafo Piti Reali de nove mulheres transsexuais e um homem trans que passaram ou estão passando pelo programa Transcidadania, programa municipal que oferece uma bolsa mensal para pessoas trans que se comprometem a buscar a progressão escolar.
As fotografias estão em exibição nas estações São Paulo-Morumbi, da Linha 4-Amarela de metrô, até quarta-feira (30), e Tatuapé, da Linha 3-Vermelha de metrô, até 31 de julho. A partir de 3 de julho, a exposição estará na estação Fradique Coutinho.
Fonte: Agência Brasil